28.2.09

Cartas

Será que ainda há quem escreva cartas? Hoje tenho-me lembrado das cartas que escrevi, das cartas que recebi. Terão sido dezenas, centenas no total? Todas as que recebi tenho guardadas. Bem, não todas. Uma vez, num acesso de loucura (ou terá sido estupidez?...) queimei aquelas cartas, as únicas que me falavam de um amor que, soube mais tarde, seria eterno e muito mais verdadeiro do que quis acreditar. Se pudesse, hoje recuperava aquelas cinzas que o vento levou e reconstruía todas as palavras que a minha fraca memória não me traz de volta. Não eram apenas palavras, eram a recordação de um tempo que não volta mais, de um amor tão sincero que me assustou e afastou. Anos mais tarde telefonaste. Reconheci imediatamente a tua voz, pensei "porquê? porquê agora?"... Seria um sinal? E fui ter contigo. Mas percebi que, para mim, era o sinal de que aquele amor fazia apenas parte das doces e ternas memórias. Não o era para ti, e isso assustou-me novamente. Fugi outra vez. Hoje não sei de ti. Tenho o teu número e apetece-me telefonar só para falarmos, para saber de ti. Mas não o faço porque não te quero novamente magoar. Irias perguntar também "porquê? porquê agora?" e eu não quero isso. Um dia, quando a vida o quiser, voltar-nos-emos a encontrar, tenho a certeza. E falaremos outra vez de sonhos, de angústias, de projectos fracassados, mas cada um seguirá novamente o seu caminho, eu sei.
Lembro-me das cartas que escrevia semanalmente, religiosamente, à minha paixão secreta. Bem, não era propriamente secreta, porque as cartas iam identificadas e várias pessoas sabiam... Mas eu pensava, na altura, que não te transmitia o quanto sonhava contigo, o quanto me sentia fascinada. E com quê, se eu nem te conhecia?... E tu, um querido, várias vezes te deste ao trabalho de me enviar um mimo nos meus anos ou no Natal. Porquê? Porque me olhas ainda hoje com essa ternura no olhar se eu para ti nem existia? Será, que sem que o soubesse, as minhas cartas iluminaram os teus dias, te deram novo ânimo quando ele não existia?... Nunca falámos para além do básico, mas um dia gostava que me respondesses a estas perguntas. Um dia, quem sabe?...
Não me recordo das palavras, mas recordo-me do sentimento, da emoção tão forte que sentia, que parecia pôr todo o meu coração naquele papel, às vezes perfumado, que gostava de enviar. Apesar das paixões não correspondidas, do amor em silêncio, do medo, todas as minhas cartas foram assinadas. Hoje penso o que pensarão aqueles que lerem as minhas cartas, com o meu nome lá escrito... Rir-se-ão? Terão saudades, como eu, de um tempo que não volta mais? Pensarão que tudo poderia ter sido diferente se houvesse uma resposta, um sinal?... Ou pensarão o mesmo que eu, com um sorriso melancólico nos lábios, que tudo foram momentos de ilusão, mas que foram tão bons, tão genuínos, tão perfeitos?...
Hoje apetecia-me escrever uma carta, mas já não há moradas. Perguntamos apenas pelo telemóvel ou pelo e-mail, ninguém pergunta pela morada. Para quê?... Ainda haverá quem escreva cartas, afinal?...

5 comentários:

Anónimo disse...

Tenho imensas saudades das cartas... até daquelas folhas de poemas que eu e uma amiga de infância (ainda hoje o somos) escrevemos: ela escrevia 2 ou 3 versos, no dia seguinte dava-me a folha, eu escrevia mais 2 ou 3 e assim sucessivamente... Ao fim de 2 semanas demos conta que tínhamos um poema lindo! Mas a cheia de 2006 devorou-me muitas recordações e apagou excertos de muitas vidas...

Mas, saudades mesmo mesmo... Tenho das pessoas! De senti-las! De abraçá-las! De palmadinhas nas costas!

Hoje, como dizes, Mafalda, pede-se o número de telemóvel e o e-mail, trocam-se umas palavras digitais... Há tempo para responder por e-mail, há tempo até para dizer que não se tem tempo, ou há tempo para responder através de uma curta mensagem de telemóvel para dizer que não se teve tempo...

Será que se tem tempo para se dizer que não se teve tempo e não se tem tempo para estar com os outros?

Beijinho

P.S.: desculpa o testamento!

Edgar Neves disse...

"Namoro"

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando
de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas

Sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seus seios, laranjas - laranjas do Loje
seus dentes... - marfim...
Mandei-lhe essa carta
e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto - SIM, noutro canto - NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo, rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigenia,
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.

Levei á Avo Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, á porta da fabrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficamos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.

Andei barbudo, sujo e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
"-Não viu...(ai, não viu...?) não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

Para me distrair
levaram-me ao baile do Sô Januario
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso
as moças mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba - dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim !"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim

Bjs.

Mafalda Branco disse...

Olá Edgar!
Tão bonito!... Fez-me lembrar alguns momentos felizes, sobretudo pela inocência e pela genuinidade com que eram vividos!
Um beijinho

Mafalda Branco disse...

Olá Isabel!
Tens razão, às vezes parece que falta o tempo para tudo (pelo menos assim nos desculpamos...). Mas o tempo não é o que queremos fazer com ele?... :)) Às vezes basta um pequenino esforço e conseguimos gerir tudo para estar com as pessoas que mais amamos. E a recompensa é tão boa!!
Um beijinho com força e esperança (mais que mansa!! :))

Anónimo disse...

Concordo contigo Mafalda! Talvez porque eu tente (e acho que consigo quase sempre) arranjar tempo para os outros e para quem me procura por algo... E tento estar, e tento ir...

Mas quando é o contrário?... Quantas vezes "não há tempo"...

Beijinho***