24.6.09

Pensamentos soltos

Invariavelmente, ela volta. Matreira, rouba-nos as pessoas que amamos e que fazem parte da nossa história de vida. E quando menos esperamos, às vezes enquanto conduzimos, recebemos um telefonema e alguém do outro lado diz: "sabes, aquela pessoa, aquela pessoa de quem gostavas tanto e que gostava tanto de ti morreu". Assim, muitas vezes secamente, outras a medo, timidamente. E ficamos sozinhos, a recordar momentos, palavras ou gestos daquela pessoa que não voltaremos a ver. Às vezes alguém olha e não percebe porque choramos, muitas vezes percebe-se que não entende porque choramos alguém tão velho. Penso nos amigos "velhos" que tenho ou já tive. Penso hoje, como noutras ocasiões, que sempre fiz mais facilmente amigos nas gerações mais velhas do que na minha. Penso também porquê. Secalhar sempre fui incompreendida, talvez mais madura, mais responsável, mais introspectiva, não sei. Sempre achei que isso era um defeito, senti-me sempre deslocada no meu tempo. Como se eu tivesse avançado no tempo, sem querer, e fosse uma mulher, velha, num corpo de menina. Lembro-me de uma vez na Faculdade, uma professora fazer um jogo. Tínhamos que escrever num papel a idade que sentíamos ter, e não a real. Tive vergonha. Apeteceu-me escrever 40, 50, acabei por escrever a idade real. Toda a gente se sentia mais jovem do que era, na realidade, excepto eu. Mais uma vez, senti-me deslocada. Como tantas, tantas outras. Talvez fosse por isso que facilmente travava amizade com uma pessoa mais velha. Assim aconteceu com a Ti Emília. Nem sei bem como a conheci, talvez tenha sido na Igreja. Sim, acho que foi. Lembro-me dela desde que me lembro de mim e de todas as outras "velhotas" que conheço e que adoro. Era uma mulher só, com o marido, não tinha filhos, mas tinha sempre um sorriso, pelo menos quando me via eu sei que tinha. Dizia-me sempre o mesmo: "olha, a Anita!", a seguir beijava-me e abraçava-me, com um carinho que ainda hoje não sei de onde ou como nasceu. Sempre gostei de conversar com as pessoas mais velhas, falava-se de algumas coisas que vulgarmente consideramos futilidades como se fossem (ou são) o mais importante da vida: o tempo, os animais, o quintal, a comida, as músicas da Missa do próximo Domingo, enfim, coisas da vida, como se costuma dizer. Coisas da vida. Coisas simples, que tantas vezes desvalorizamos, mas que são tão importantes. Passamos a vida a falar de trabalho, de problemas, de stress, de dinheiro, de ambições. A primeira coisa que a Ti Emília me perguntava era "como é que estás, Anita?". Como é que estás? Uma pergunta tão simples. Uma pergunta tão complexa. Perguntamos, mas nem esperamos pela resposta. Nem olhamos nos olhos da pessoa. Nem percebemos se ela está bem ou a precisar de ajuda, de uma palavra de amizade, de um simples abraço, de ouvir simplesmente "estou aqui, estarei sempre". Sim, acho que é por gostar e sentir falta das coisas simples, que fazemos complexas desnecessariamente, que gosto dos mais velhos, dos sábios, daqueles que marcam a nossa vida, simplesmente porque gostam e se preocupam verdadeiramente connosco.

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