
De dia, é maravilhoso ver o sol reflectir-se nas diferentes tonalidades de verde que vou descobrindo ao longo do caminho. Passo pelas vinhas, que vão mudando a cor da sua roupagem consoante as estações do ano, e pelos montes Melo e Gerumelo, que me fazem lembrar a lenda ouvida desde pequenina e que, apesar de tão perto, nunca visitei o Castelo de Germanelo.
Vejo rostos marcados pela vida, mas sorridentes. As senhoras, de batas floridas e lenços no cabelo, seguem atarefadas na sua lida. Os homens sentam-se nos muros de pedra, a trocar conversas ou apenas a partilhar silêncios. Vejo sempre o mesmo idoso, sentado exactamente no mesmo sítio, a olhar espantado os carros que passam. Penso sempre quem será aquele senhor, que histórias teria para contar, no que pensa ao ver passar a vida à sua frente. Sentir-se-á triste? Sozinho? Tranquilo? Satisfeito com os anos que já viveu? À espera de alguma coisa que teima em não chegar?... Sigo, absorta nos meus pensamentos, mas com vontade de parar e conversar com ele.
Mais à frente vejo uma eira coberta de milho, a secar ao sol. Ontem, quando regressava para casa, estavam a fazer a descamisada, como se ali o tempo não tivesse passado e ainda se vivesse o "antigamente". Não posso deixar de me lembrar de como era simultaneamente estranho e divertido descalçar-me e fazer com os pés os carreirinhos no milho, estendido na eira da minha avó. Adorava fazer aquelas estradinhas e sentir o calor dos bagos de milho entre os dedos dos pés.
Continuo o meu caminho. A paisagem começa a mudar, entro na serra, com os típicos e lindíssimos carvalhos da serra de Sicó, os tradicionais moinhos de vento ao longe, no Outeiro, os pinheiros e os eucaliptos. Quando abro o vidro, o cheiro a terra e a ervas invade o carro e, com Ansião no horizonte, não posso deixar de me sentir uma privilegiada por ter acesso a esta dádiva logo pela manhã...
3 comentários:
Oi Mafalda!
Afastados centenas de quilómetros faço minhas as tuas palavras.
Gabo-me do mesmo. Do silêncio que se atravessa no meu caminho, dos rebanhos também..da passarada desenhando riscos no ar...dos velhotes sentados vendo passar os dias, tentando voar com os pássaros para lá do horizonte...
Apetece-me sentar no risco que os pássaros desenham para mim e daí estender os braços e dar-te um grande abraço...
Olá, Mafalda!
Nesse sentido, também eu me sinto uma privilegiada... Nesta fase da minha vida, equaciono mais do que nunca voltar para Coimbra, para uma divisão numa gaiola...
Mas as quatro dezenas de quilómetros compensam sempre os mimos com que o meu Snoopy me recebe todas as noites, o cantar das cigarras e dos ralos, as minhas caminhadas nocturnas pelo quintal (depois da viagem e de largar o computador em casa) apenas para ir absorver os cheiros e renovar sensações.
Ainda na minha eira isso acontece. E gosto de debulhar o milho e os foles não me magoam porque o faço com amor.
E gosto quando colocamos o feijão a secar. E gosto da apanha da azeitona. E de me sujar no lagar para ver a recompensa a cantar nas bicas transformada num puro fio de ouro.
E com isto tudo... não sei se me consigo divorciar de tudo isto e trocar este mundo por um compartimento numa gaiola...
Beijinhos!
Beijinhos para os dois!
É sempre bom encontrar mais amantes do mundo, da terra e das coisas genuínas! :)
Vão dando notícias!
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