8.5.10

Libertação


Caminham de olhos postos na estrada ou no horizonte. Das mãos pendem rosários afagados até à exaustão. Cantam, animados por olhares cúmplices sorridentes. Quando a noite desce, parecem pirilampos encarreirados como formigas em direcção ao formigueiro, a casa onde encontrarão paz e consolo para todas as dores. Apoiados em paus, em guarda-chuvas ou uns nos outros, descalços, de chinelos ou sapatilhas, à chuva, ao sol, ao frio, ao vento, ao relento, os peregrinos enchem a estrada e fazem-me desviar o olhar até quase não conseguir ser racional para continuar a conduzir. Para onde caminham? Para quem? Que força é essa que os faz sorrir e não querer parar, mesmo quando o corpo parece apenas um resto do que foi e a dignidade aparentemente se esvaiu? Que fé é essa? Não deveria ser a fé libertadora? E se assim, na dor, no sofrimento, na tortura incessante do corpo, a alma encontrar libertação e conforto? Lembro-me, sim, lembro-me. Também eu já fui peregrina. Também eu já caminhei assim, flagelando o corpo e sentindo o espírito libertar-se através da terrível dor física. Para quê? Porquê? Ainda hoje não sei. Sei apenas que foi como peregrina que senti a mais forte comunhão com Deus e com o ser humano que alguma vez voltei a sentir. Talvez caminhem para isso. Em busca de uma comunhão que o dia a dia não deixa sentir. Mas hoje, que os vejo e secreta e estupidamente admiro, não sei.

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