6.3.09

Histórias de família

Hoje, sem que o tenha planeado, fui parar a casa da minha tia Emília, "Mimi" para mim desde que me lembro. Quando era pequenina, a minha tia chamava-me "rolita". Um dia, já crescida, perguntei-lhe porquê. Respondeu-me, com o seu sorriso fácil, que eu parecia um passarinho, porque era muito miudinha. Sorri também, a recordar-me da sua voz doce quando me via: "olha a minha rolita!". A minha tia Mimi tem 81 anos e nunca se esquece de nenhum aniversário da família. Percorre todas as casas a pé a levar as suas prendas, que são, invariavelmente, as mesmas todos os anos. Tenho um baú, um verdadeiro, de madeira, cheio de toalhas que a minha tia me deu. Apenas mudam as cores, os padrões, os tamanhos, mas são sempre toalhas. Provavelmente nunca as usarei, mas também não me desfarei delas, pois são um pequeno tesouro para me recordar sempre de alguém que nunca se esquece de mim.
A minha tia faz uma festa sempre que vou a sua casa. E, apesar dos anos e das modas, desde que me lembro que tem sempre o mesmo para me oferecer: línguas de gato. Hoje revimos fotografias antigas e, enquanto comíamos línguas de gato que eu pensava já nem existirem, rimos como duas crianças das diferenças que ao longo dos anos nos vão acontecendo. A minha tia Mimi parece nunca ter saudades do passado, pensa sempre no hoje e no amanhã com um sorriso simples e contagiante.
O meu tio tem 80 anos. Há alguns anos atrás teve um AVC e, durante muito tempo, não soube quem era. Depois, pouco a pouco, recuperou, mas não totalmente. Sempre que o vejo, chora e diz-me o mesmo: "eu já não consigo ler nem escrever". Nunca fala das outras coisas que teve que deixar de fazer, fala sempre da escrita e da leitura. Às vezes penso até que, se pudesse, trocaria o andar por aquelas capacidades. Imagino-o então deitado numa cama, mas rodeado pelos livros que tanto desejava conseguir ler novamente. Fascinante, mas simultaneamente assustadora a forma como o nosso cérebro comanda tudo o que fazemos...
E, de uma visita inesperada, mas tão simples fica-me a certeza de que, aconteça o que acontecer, as histórias da minha família nunca se apagarão das minhas memórias e do meu coração. Conto-as para que vivam sempre, em mim e em quem as ler.

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