8.3.10

Magia em forma de berlinde

Hoje passei num sítio que me traz boas memórias. Quando era pequena costumava ir para o rio com a minha ama. Enquanto ela lavava a roupa, eu brincava na água, que na altura era límpida e onde havia peixinhos cinzentos pequeninos, atrás dos quais não me cansava de andar, embora eles se escondessem sempre em recantos escuros onde eu tinha medo de pôr a minha mãozita. Na altura, aquele era um sítio mágico. Tenho péssima memória, mas, curiosamente, lembro-me perfeitamente daquele lugar, tão bem como se lá estivesse mesmo agora, a sentir o fundo do rio coberto de seixos redondos e lisos debaixo dos pés. Era um lavadouro de cimento feito de uma forma artesanal,  só com as pedras lisas onde se esfregava a roupa, muito simples, tão simples que parecia fazer parte da paisagem. Estava construído mesmo ao pé de uma ponte relativamente recente em forma de meia lua, debaixo da qual passávamos ou onde nos abrigávamos quando a chuva resolvia pregar uma partida. Na altura da construção, alguém tinha deixado umas marcas no cimento que sempre me intrigaram. Havia também uns desenhos que alguém tinha feito já mais tarde, mas eu não compreendia o que queriam dizer. Ainda hoje gostava de lá voltar para as rever e tentar entender. Lembro-me que não passava muito para lá da ponte porque o rio começava a afundar e eu tinha bastante medo. Às vezes assustava-me e lá vinha a correr por entre a água a gritar pela minha ama. Debaixo da ponte as nossas palavras faziam eco, e era muito divertido brincar com os sons que se iam formando à mercê da nossa imaginação. Naquele sítio havia sempre silêncio, um silêncio bom, de comunhão com a natureza, de paz. Naquela altura raramente passavam carros na ponte, de vez em quando alguém de bicicleta ou a pé, e havia sempre um bocadinho de conversa para quem parava a descansar. Uma das coisas que adorava nessas "viagens" ao lavadouro era quando a garrafa verde de lixívia estava quase a chegar ao fim e a Celeste me tirava os berlindes que vinham no fundo para eu brincar. Era uma festa! Não jogava ao berlinde, como os meus colegas faziam, porque não gostava, mas inventava outras brincadeiras. Ficava muitas vezes a olhar para aquelas bolinhas de vidro e pensava como seriam feitas. A Celeste nunca me soube responder e eu imaginava milhares de maneiras para criar aqueles efeitos dentro das bolinhas. Como se punham aquelam "fitinhas" coloridas lá dentro?... Nunca descobri a resposta porque, confesso, me esqueci dos berlindes. Mas hoje, ao passar por cima daquela ponte e ao ver o lavadouro, agora abandonado, coberto de silvas e sem hipótese de se conseguir ver o rio, lembrei-me daqueles momentos em que fui tão feliz enquanto menina. E encontrei a resposta... Aqui fica! É impressionante, mas, mesmo assim, na minha cabeça continuo a perguntar "como se conseguem pôr aquelas fitinhas coloridas lá dentro?"... E continua a ser magia...

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